segunda-feira, 23 de junho de 2008

DEPUTADO CLODOVIL NO PLENÁRIO

Abaixo o discurso na íntegra que o deputado Clodovil fez no Plenário da Câmara dos Deputados no dia de seu aniversário .


Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Deputados, completo hoje 71 anos. Quis o
destino que eu os comemorasse nesta Casa, e para mim não haveria melhor comemoração do que compartilhar com os Colegas que me ouvem, as pessoas que me assistem os sonhos que acalento
Todos sabem que tenho pouca experiência em política, pelo menos a política como é feita no Brasil. O povo imagina que elege representantes que pensarão, falarão e agirão em seu nome. Numa Democracia idealizada, aquela que nos é vendida nas campanhas milionárias, os eleitos teriam promessas a
cumprir, em nome do bem-estar público. Chegados a Brasília, no entanto, alguns – vejam bem: não falo de todos, em absoluto – alguns, repito, confundem, ou fazem que confundem, o público com o privado. Os interesses perseguidos passam a ser apenas os interesses pessoais. As promessas são esquecidas. O sentido coletivista da representação política transforma-se no usufruto pessoal.
Os gastos, na verdade, eram investimento, e o dinheiro, nem sempre oriundo de fontes limpas, às vezes de origem escusa, tem de ser recuperado a
qualquer custo. Um deslize leva a outro, que leva
sempre a outro maior. Isso todo mundo sabe, mas
ninguém diz, alguns porque não querem se comprometer, a maioria porque também deve.
Jean Genet, escritor e ativista político francês, desaparecido em 1986, na sua forma polêmica de criticar o sistema, dizia que marginal e polícia são
extremos da mesma linha. Numa interpretação “lato sensu”, o que se pode deduzir dessa afirmação é como são frágeis as linhas de separação, como é
precário o equilíbrio entre o certo e o errado, o digno e o deletério, o justo e o ilegítimo. Sem princípios, sem uma sólida formação moral e principalmente sem aquilo que geralmente denominamos “boa índole” é fácil transitar de um a outro lado do espectro. A índole é algo que se estabelece no momento da fecundação, nasce conosco e norteia nosso comportamento e nossas relações com o mundo, pela vida inteira.
Como todos sabem, nunca fui político. Cheguei à Câmara dos Deputados por força da minha história de vida. Os que votaram em mim o fizeram porque me
conhecem e me admiram. Não foi preciso gastar nada além do que R$ 26,70 na primeira etapa da campanha e quatorze mil na segunda. Não cobro dízimo, Não devo nada a ninguém. Portanto, não
tenho compromissos se não com minha consciência.
Conhecia Brasília por intermédio de clientes
importantes que tive, que me remetiam a uma idéia
de luxo e “glamour”. O que encontrei, porém, foi uma
Cidade caída aos pedaços, prédios quase em ruínas. Aquela que foi criada para ser o pólo multicultural e multirracial brasileiro tornou-se o retrato das desigualdades, com uma classe dominante que logo se transformará em heróis de mendigos, tais os contrastes entre o luxo e a decadência, a beleza
e a feiúra, a luz das grandes mansões e a escuridão dos ermos.
Brasília, que foi feita para brilhar, para ser o farol do Brasil, está se “apagando”. Para muitos a Capital da República é a sua vaca profana, a “vaca de divinas tetas”. Mas, como diz a letra da canção de Caetano Veloso, “vaca profana, põe teus cornos p’ra fora e acima da manada”. Um dia isso vai mudar.
Eu não estou aqui para fazer o que alguns fazem. Tenho feito exatamente o contrário. Quero ser o rio que luta para inverter o curso das águas, de
maneira a não mudar o que sempre fui.
Nas esferas de poder, não há respeito humano, respeito pelo próximo, tampouco respeito pela hierarquia, em todos os escalões. Pode-se gostar ou
não gostar do Presidente Lula. Contudo é preciso
respeitar a sua figura pública, o que ele representa institucionalmente. É o Presidente da República.
O que se percebe normalmente em Brasília é o péssimo defeito de ouvir e não escutar. Escutar é o mais importante. Escuta-se com o coração e com o
cérebro. É como ler. Tanta gente não é capaz de entender o subtexto! Às vezes, o próprio livro não possui a entrelinha, a mensagem sob a palavra.
Em Brasília, encontrei muita antipatia e até certa hostilidade, com algumas exceções, claro. Cito como exceção, por exemplo, o Senador Papaléo Paes,
homem bem-educado, finíssimo no trato, com quem estive há pouco. Ou a Ministra Dilma Rousseff, mulher exemplo, de grandeza imensa, correta, competente, persistente, corajosa.
Como ela, eu também não temo, não me acovardo. E ninguém interprete a fragilidade do cristal como fraqueza. Ele é frágil por ser puro.
No desejo de me estabelecer na Cidade, procurei, logo que cheguei, cercar-me de beleza. Quis fazer, e fiz, de meu gabinete um oásis que me permitisse
trabalhar e refletir melhor, cercado não de luxo, mas de beleza, a beleza que sempre apreciei. A reforma, que à época rendeu tantos comentários na
mídia, alguns totalmente maldosos, foi feita com
dinheiro tirado de meu próprio bolso – e isso poucas pessoas destacaram. Menos pessoas ainda o
entenderam. Estou fazendo o mesmo agora com o apartamento funcional, porque acredito que o lugar em que se vive deve refletir a pessoa que se é. Tem de ser nosso, não importa quem detenha a propriedade formal.
Aos que estranham digo que colheita não costuma ser de quem semeia. O jardineiro que planta a jabuticabeira tenra, fertiliza a terra com bom adubo, acompanha seu lento crescimento, vibra, à medida que ela se fortalece e vira adulta nem sempre é aquele que colhe as jabuticabas. Seu prazer não
está em comer e sim em cuidar. Com desprendimento e amor, ele trabalha para o futuro, para que outros possam se servir.
Esta é também a minha forma de ser útil. Tal como o jardineiro, vim muito mais para plantar do que para colher. Realmente, o meu objetivo não é tirar,
mas acrescentar, contribuir, deixar. Minha missão é de melhorar o mundo, jamais de explorar o mundo. Este, Senhor Presidente, é o significado maior de tudo que faço, movido pela certeza inquestionável de que, assim como cada um de nós começa e termina no
outro, o infinito começa e termina em nós mesmos.
O conceito, Senhor Presidente, antes de ser meu, parece-me que foi de Mário Quintana, em um poema que certa vez declamou para mim, na extinta Manchete.
O querido poeta gaúcho era – por que não? – um devasso, devasso na maneira singular e libertária de lidar com a realidade, infenso a máscaras,estereótipos e preconceitos, mas profundo e cheio de verdade. Da sua verdade.
“Em vez de amor, dinheiro, fé, fama, eqüidade, dê-me a verdade”, preconizava Henry David Thoreau, filósofo americano do século XIX.
Dinheiro e poder são ilusões que passam. O que restará será a alma. Seremos o infinito que não se acaba, porque a alma é infinita. Em outras palavras:
tudo que fizermos de positivo não se perderá no infinito daquilo que conseguirmos realizar. Muito embora ninguém saiba de que modo, alguém lhe
dará seguimento, talvez para aperfeiçoar a nossa obra, talvez para corrigi-la, talvez para admirá-la e imitá-la.
Eu próprio não sei quem ocupará e como ocupará o espaço que hoje me cabe, não apenas na esfera, material, mas sobretudo na esfera da transcendência,
do espírito, da não-matéria, do universo, cuja
dimensão estimada pelos astrônomos, físicos e cientistas em geral resulta em nada menos do que
duzentos sóis, isto é, duzentos sistemas solares dos quais se sabe ainda muito pouco.
Diante dessa ordem de grandeza, Senhor Presidente, a formiga e o gênio se assemelham. Conhecemos pouco do talento das formigas. Quanto ao gênio
humano, este nos é conhecido na figura de algumas personagens tanto da atualidade como de outros tempos. Stephen Hawking superou suas deficiências para descobrir os buracos negros.
Suas obras têm revolucionado a ciência, a exemplo de Uma Breve História do Tempo, Uma Nova História do Tempo e “The Universe in a Nutsshell”, sem
edição em Português, até agora. Em face das terríveis condições que o aprisionam do ponto de vista físico (o cérebro continua liberto e extraordinariamente fértil), ele ainda brinca, dizendo que seus trabalhos
têm sotaque texano, porque o computador, que faz por ele coisas que, sozinho ele não poderia fazer, é texano. Leonardo Da Vinci, outro bom exemplar da capacidade do ser continua cultuado cinco séculos depois. O legado que passou à posteridade se encontra em obras universais, do porte da Mona Lisa,
A Última Ceia, A Virgem das Rochas, além de
trabalhos na área da arquitetura e da engenharia. Da Vinci rivalizava em verve criadora com Michelangelo Buonarroti, autor de obras como O Davi, La Pietà, O Juízo Final, na Capela Sistina, que o consagraram à eternidade.
Ambos foram notáveis, durante a Renascença italiana.
Também Wolfgang Amadeus Mozart não seria quem foi e talvez não houvesse nos deixado suas seiscentas composições, entre concertos, óperas, músicas de
câmera, peças para piano e coral, sem Salieri, que, ao invejá-lo, difamá-lo e traí-lo, acabou trabalhando por sua glória.
Da mesma forma, a Igreja Católica, que hoje combate ferozmente o homossexualismo, não seria, no século XXI, grande depositária da arte e da cultura universais, se não houvesse aceitado o trabalho magnífico de homossexuais, graças aos quais alcançou o apuro estético da liturgia, dos cantos gregorianos, da arquitetura das catedrais, das inúmeras pinturas e esculturas que abrigam. Tudo isso se traduz em poder. O poder sagrado da Igreja acabou se fundindo ao poder secular do humano.
O inimigo, ou pelo menos, o oponente constitui, sem
dúvida, um estímulo formidável. A crítica fecunda a obra.
É claro que gostaria de ser mais bem-compreendido por meus pares, nesta Casa. Nunca imaginei ser alvo de tanta antipatia. Aqui a divergência política é sinônimo de inimizade certa. As pessoas se tornam facilmente temerosas, desconfiadas. Deixam de perceber que o pensamento é livre. Este, realmente, não constitui propriedade de quem quer que seja. Representa o único fragmento de nós que vai para Deus. No mais, a liberdade não se realizará nunca, pois o corpo, sim, é a nossa clausura.
Como podemos ser livres? Quem pode ser livre? Entretanto, nos discursos que ouço nesta Casa, proclama-se a liberdade com o cinismo, a hipocrisia, o
despudor dos que têm perfeita consciência da mentira que tentam perpetrar.
Infelizmente, não tenho sido compreendido em meus propósitos, muito menos por aqueles que, no lado oposto, pensam somente em gastar, em gozar e em
lograr. Supõem, dessa maneira, aumentar o falso prestígio de que dispõem e a falsa riqueza que amealham.
Eu mesmo já tive muito mais dinheiro do que tenho
agora. No entanto, hoje, sou um ser mais completo, com mais possibilidades, mais leveza e, portanto,
alguém muito mais feliz. Finalmente sei que ter não é possuir coisa alguma.
Ter, apenas, é ser proprietário de tudo para nada, enquanto que a verdadeira posse implica o compartilhamento. Precisamos nos oferecer às outras pessoas, ainda que essas pessoas não saibam nos agradecer.
O teatro da vida quase sempre se revela extremamente cruel. As tramas da realidade são ora complacentes, ora devastadoras, mas sempre perturbam e sempre surpreendem. Acontece, por vezes, de a cortina mal se abrir e já se fechar rapidamente. Em outras, demora mais que o esperado. De toda maneira, o papel que representamos não admite ensaio: o ensaio é a própria vivência individual. Cada atitude é um ensaio, e freqüentemente não temos oportunidade de mudar hoje o que fizemos ontem. Só nos resta assim aprender com os erros que cometemos.
Em Memórias Póstumas de Brás Cubas, Machado de Assis é incisivo: “Cada estação da vida é uma edição, que corrige a anterior, e que será corrigida também,
até a edição definitiva, que o editor dá de graça aos vermes”.
Eu brigo pelas laranjeiras, pelas árvores frutíferas, pela horta, pelo galinheiro que tenho em minha casa, porque desejo que as pessoas tenham o melhor. As mais de duas dúzias diárias que as galinhas produzem dou para os empregados. Eles me dizem que é muito e eu digo que levem para casa, dêem aos outros. Penso muito nos outros. Eu quero uma casa linda, eu quero tudo que possa ter, mas quero que as pessoas que estão ali também usufruam, embora elas não saibam como. Usufruir não é mastigar e engolir. Usufruir é descobrir o sentido mais profundo nas coisas mais simples, para compartilhar da ideologia de quem promove o benefício. A mim me faria muito bem se as pessoas que detêm o poder pensassem da mesma maneira. Para se chegar a isso, no entanto, é preciso mudar a percepção do povo, que as escolhe para representá-lo.
É dessa forma que vejo a política, mesmo que seja uma utopia, porque países como o nosso não se preocupam em promover o esclarecimento dos cidadãos. A classe política, – não toda, é bom frisar –
não quer que o povo tenha esclarecimento, o que é um erro brutal. De que vale a autoridade, diante do
despossuído, que não questiona e não desafia – pessoas infelizes, sem dente, sem saúde, sem absolutamente nada? Eu, ao contrário, quero ser respeitado por alguém que tenha cultura, instrução, que saiba o que reivindica. Tenho sido muito mal interpretado por isso, mas o que quero dizer é que o
prazeroso, o ideal é poder andar nas ruas e ser aplaudido por gente que tem a mesma saúde, a mesma posição socioeconômica. Esses, ao cobrar, estimulam, ao sugerir, ajudam a mudar. Só com essa participação consciente podemos construir algo novo e algo melhor, no Brasil.
Peço ao Deus que está na natureza de todas as coisas que me dê forças para oferecer a minha contribuição a esse processo.
E é com os olhos voltados para o Deus Natureza, em quem acredito e confio, que encerro agora o meu pronunciamento, neste Grande Expediente. Deixo-os
com um belíssimo poema de Lord Byron, o grande poeta inglês:
Existe prazer nas matas densas
Existe êxtase na costa deserta
Existe convivência sem que haja intromissão
No mar profundo, e música, em seu ruído
Ao homem não amo pouco
Porém muito à Natureza.
Era o que tinha a dizer.
Muito obrigado.

*Assista o video do discurso (gentilmente cedido por Segio do Parlatube)
http://parlatube.com.br/index.php?option=com_seyret&task=videodirectlink&id=970&Itemid=2

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